NEGLIGÊNCIA FATAL
PARATY
e RIO — A polícia investiga uma sucessão de irregularidades que poderá
explicar o acidente de domingo em Paraty, onde 15 pessoas morreram e 66
ficaram feridas quando um ônibus tombou na estrada para Trindade.
Superlotação, falta de manutenção — os pneus aparentemente estavam
carecas — e uma suposta falha do sistema de freios são algumas das
hipóteses da tragédia anunciada. Com o monopólio do transporte de
passageiros no município, a Colitur Transportes Rodoviários é, há anos,
alvo de críticas, por manter em circulação uma frota precária. Apesar
dos problemas recorrentes e das inúmeras denúncias que já chegaram ao
Ministério Público, a empresa, que explora um serviço nunca licitado, se
recusou, no ano passado, a assinar um termo de ajustamento de conduta
(TAC) proposto por promotores, com o objetivo de melhorar a qualidade do
transporte público na região.
O promotor da 2ª Promotoria de
Justiça de Tutela Coletiva de Angra dos Reis, Alexander Véras, afirmou
que, se for constatada a omissão da prefeitura e da empresa de ônibus, o
MP deverá entrar com uma nova ação civil pública:
— Avalio a
possibilidade de eventual ação de improbidade administrativa para
apuração de responsabilidades, principalmente das autoridades locais.
O
clima era de comoção na segunda-feira nos municípios da Costa Verde.
Desde o início da manhã, foi grande o movimento de parentes de vítimas
que estiveram no Instituto Médico-Legal (IML) de Angra dos Reis, para
fazer o reconhecimento dos corpos. Até a noite, tinham sido
identificados 12 dos 15 mortos: Juliana Rocha Medeiros dos Santos, de 26
anos; Vanilda Santana de Moura, de 62; Gabriele Matheus de Macedo, de
21; Robson Antunes Braga, de 52; a mulher dele, Cláudia Maria Arruda, de
54; Bruno Mariane da Silva, de 26; Kathillyn Fernandes Xavier, de 18;
Tatiane Assis Albuquerque, de 38; Thalita Amâncio de Souza, de 31;
Raquel Amâncio de Souza, de 41; Kênia Diany Garcia, de 22; e Sueli
Testai Atui, de 68.
Muito revoltada, Iara Cristina da Silva, de
43 anos, desabafou após reconhecer o corpo do filho Bruno Mariane, pai
de duas crianças (uma menina de 3 meses e um menino de 6 anos). Ele
morava em Ferraz de Vasconcelos (SP) e ia passar o feriado com a mãe,
que é ajudante de cozinha e moradora de Trindade.
— A vida do meu
filho custou R$ 3,40. Foi quanto a empresa cobrou dele para fazer essa
maldade — disse a mãe. — Falei com meu filho pouco antes de ele entrar
no ônibus. Depois do acidente, conversei com pessoas que estavam no
veículo. O motorista não teve culpa. As pessoas me contaram que havia
excesso de passageiros e que o freio não funcionou. Disseram que o
motorista, para não jogar o ônibus numa ribanceira, o que provocaria uma
tragédia ainda maior, desviou o veículo para o lado contrário. Mas, por
causa do excesso de peso, o coletivo tombou. Meu filho veio passear de
ônibus e vai voltar num caixão.
PAI DE VÍTIMA: ‘ESTOU DESESPERADO’
A
secretária Telma Aversa, de 57 anos, que viajava no ônibus, contou uma
história parecida. De acordo com ela, quando estava passando pelo
localidade conhecida como Morro do Deus Me Livre, o motorista gritou:
“Estou sem freio”.
— Foi tudo muito rápido — disse ela. — Algumas pessoas desmaiaram. O ônibus estava superlotado.
Wandeval
Medeiros, pai de Juliana Medeiros, estudante do 5º período de direito
na Universidade Paulista (Unip), a primeira vítima a ser identificada,
estava desorientado e aos prantos.
— Estou desesperado. Não sei o que fazer, Juliana era minha filha única — repetia.
Quando
Kathillyn Fernandes saiu de sua casa em São Paulo, para um fim de
semana na paradisíaca Trindade, só tinha motivos para comemorar.
—
Ela passou no vestibular e estava no primeiro ano do curso de
pedagogia. Faria aniversário em novembro e estava viajando com um grupo
de amigos, entre eles, Gabriele Matheus, que também morreu — contou o
pai, Wilson Gonçalves de Abreu, de 50 anos.
A dona de casa Vanilda
Santana foi reconhecida pelo filho, o mecânico Leônidas Moura Filho, de
44 anos. Ela morava em Parelheiros, distrito de São Paulo, e foi passar
o feriado com amigos numa pousada em Trindade. Já Gabriele Matheus
cursava o 3º ano de publicidade na Faculdade Butantã. O corpo foi
reconhecido pelo pai da jovem, Valmir João de Macedo, de 48 anos. A
vítima morava no bairro de Brasilândia, também na capital paulista.
Outra
passageira morta, Tatiane Assis, morava na Freguesia, Ilha do
Governador, e era funcionária pública. Seu marido, Adailton Braz, de 37
anos, um dos feridos no acidente, continua internado na UTI. Irmão de
Tatiane, Ericksson de Assis Albuquer que contou que os dois adoravam a
Costa Verde. O cunhado, segundo ele, que ainda não sabe da morte da
mulher, acredita que os dois sobreviveram porque estavam na parte
traseira do ônibus:
— Ele me disse que o ônibus tombou de forma muito rápida e violenta.
O
cartório de Paraty, que funcionaria na segunda-feira até meio-dia,
devido ao feriado de 7 de Setembro, suspendeu a folga, para a liberação
de certidões de óbito.
O ônibus da Colitur tinha capacidade para
45 pessoas, mas, de acordo com a polícia, transportava 81. O suposto
problema no freio, denunciado pela namorada do motorista, Bernardete
Saturnino, também será investigado. De acordo com ela, Marcel Magalhães,
que também foi internado, contou que não conseguiu frear e teve que
jogar o ônibus num terreno para não cair numa ribanceira. O motorista
foi medicado na Santa Casa de Ubatuba e recebeu alta na manhã de
segunda-feira. A polícia divulgou que uma análise preliminar não teria
constatado problemas no freio.
PERITO: CASO LEMBRA BATEAU MOUCHE
Segundo o perito criminal Mauro Ricart, a superlotação pode ter sido uma das principais causas das mortes.
—
Se as investigações confirmarem que o ônibus carregava (quase) o dobro
de passageiros que sua capacidade permitia, haverá fortes indícios para
explicar por que o acidente teve tantas mortes e feridos. As pessoas são
cargas móveis e, se o ônibus tombou numa curva, houve transferência de
peso para um lado só. O mesmo aconteceu com o Bateau Mouche (embarcação
turística que naufragou no réveillon de 1988, na Baía de Guanabara,
matando 55 das 142 pessoas a bordo) e com o navio na costa da Itália (o
Costa Concordia, que naufragou em 13 de janeiro de 2012 na Toscana,
causando a morte de 32 passageiros). As pessoas que morreram foram
arremessadas ou estavam do lado do veículo que tombou — observou.
Os
dois pneus dianteiros do veículo estavam visivelmente carecas, mas,
tanto o inspetor de tráfego da empresa, Mário Batista, como o gerente,
Tarcísio Pamizza, contestaram a irregularidade.
— Pelo que eu
sei, a manutenção dele estava OK. Pneus bons, vistoria feita na semana
passada. Os pneus da frente não estão carecas. É que eles foram comidos
um pouquinho na hora da derrapagem. É por isso que há um “carecado” ali.
Mas a situação está normal. Foram postos os dois (pneus) juntos — disse
Batista ao “RJTV”, da Rede Globo.
De acordo com o delegado
adjunto da 166ª DP (Angra dos Reis), Márcio Teixeira de Melo, o coletivo
trafegava a cerca de 30km/h quando tombou ao tentar fazer uma curva. O
veículo estava no pátio da empresa e seria levado para a delegacia para
uma perícia mais detalhada.
O histórico de reclamações contra os
maus serviços prestados pela Colitur, sem que nada tenha sido feito até
hoje, levou moradores de Paraty a criarem, em 2013, uma página no
Facebook para criticar a empresa. Na “Basta Colitur!”, são publicadas
queixas de passageiros, fotos de veículos com problemas de manutenção e
vídeos de irregularidades no serviço.
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