Traficantes montaram associação de moradores em condomínio do ‘Minha casa, minha vida’
No
Conjunto Residencial Haroldo de Andrade, do programa federal “Minha
casa, minha vida”, em Barros Filho, na Zona Norte do Rio, o tráfico
montou uma associação de moradores para explorar o condomínio. A
denúncia foi feita na 40ª DP (Honório Gurgel) por uma nova leva de
moradores expulsa do local, no final de julho. As três famílias foram
obrigadas pelos bandidos a deixar o local porque são oriundas de áreas
dominadas por milicianos na Zona Oeste da cidade — rivais aos
traficantes que dominam o conjunto na base da lei do fuzil.
— Os
traficantes montaram uma associação para conseguir lucrar ainda mais com
o condomínio. As pessoas que trabalham na associação respondem a eles e
ameaçam os moradores. Se não pagarmos ou atrasarmos o pagamento de uma
taxa de R$ 40 que eles cobram, dizem que vão levar o caso para os
bandidos — afirma o vigia Josué*, de 45 anos, que não voltou ao conjunto
depois de 25 de julho, quando, no trabalho, recebeu o telefonema de uma
vizinha, informando que os traficantes haviam invadido o imóvel onde
morava.
Segundo
os relatos dos moradores, a associação tem até sede: um apartamento
invadido após a expulsão de seu dono. No local, os traficantes guardam
um acervo de cópias de identidades, CPFs e contratos de todos os que
vivem no conjunto.
—
Duas mulheres que trabalham para os bandidos passaram em todos os
apartamentos logo após a mudança, obrigando cada morador entregar os
documentos. É assim que eles descobriram de onde nós viemos — conta
Leila*, de 53 anos, que deixou o conjunto depois que três bandidos
armados bateram em sua porta e disseram que “ninguém de área de milícia”
podia ficar no local.
Um mês depois de ter deixado o condomínio
com as duas filhas — a mais velha, epiléptica — e o neto de 4 anos,
Leila mora de favor no chão do quarto da casa de sua irmã, na Zona
Oeste. Como o apartamento é pequeno, a família teve que se dividir: cada
filha foi morar na casa de um parente em bairros diferentes da cidade.
Já o neto, que frequentava o Espaço de Desenvolvimento infantil (EDI)
Professora Roseane Vasconcellos, que fica dentro do condomínio, parou de
frequentar a creche. As prestações de R$ 25 reais continuam sendo pagas
em dia.
— Antes, morava num barraco numa invasão. Mas minha vida era mais digna do que é hoje — desabafa.
Duas
semanas depois da expulsão das famílias do Haroldo de Andrade, Celso
Pinheiro Pimenta, o Playboy, ex-chefe do tráfico do Complexo da
Pedreira, que ordenou a distribuição os apartamentos a aliados, foi
morto. Na ocasião, agentes das polícias Civil e Federal invadiram a casa
que o bandido usava como esconderijo. Carlos José da Silva Fernandes, o
Arafat, sucessor de Playboy, que controla o tráfico no conjunto, está
foragido.
‘Minha casa, minha sina’
Após
três meses de apuração, o EXTRA constatou que todos os condomínios do
“Minha casa, minha vida” destinados aos beneficiários mais pobres — a
chamada faixa 1 de financiamento — no município do Rio são alvo da ação
de grupos criminosos. Neles, moram 18.834 famílias submetidas a
situações como expulsões, reuniões de condomínio feitas por bandidos,
bocas de fumo em apartamentos, interferência do tráfico no sorteio dos
novos moradores, espancamentos e homicídios.
Mais de 200 pessoas
foram ouvidas, entre moradores, síndicos, policiais civis e militares,
promotores, funcionários públicos e terceirizados, pesquisadores e
autoridades. Além disso, foram analisados documentos da Polícia Civil,
do Ministério Público, da Secretaria de Habitação, do Disque-Denúncia,
da Caixa Econômica e do Ministério das Cidades, parte deles obtidos por
meio da Lei de Acesso à Informação. O material deu origem à série “Minha
casa, minha sina”, que o EXTRA publicou em março.
* Os nomes usados nesta reportagem são fictícios
Nenhum comentário