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Traficantes montaram associação de moradores em condomínio do ‘Minha casa, minha vida’

Moradores foram expulsos porque são oriundos de áreas dominadas pela milícia
Moradores foram expulsos porque são oriundos de áreas dominadas pela milícia Foto: Fábio Guimarães / Extra


Rafael Soares

No Conjunto Residencial Haroldo de Andrade, do programa federal “Minha casa, minha vida”, em Barros Filho, na Zona Norte do Rio, o tráfico montou uma associação de moradores para explorar o condomínio. A denúncia foi feita na 40ª DP (Honório Gurgel) por uma nova leva de moradores expulsa do local, no final de julho. As três famílias foram obrigadas pelos bandidos a deixar o local porque são oriundas de áreas dominadas por milicianos na Zona Oeste da cidade — rivais aos traficantes que dominam o conjunto na base da lei do fuzil.
— Os traficantes montaram uma associação para conseguir lucrar ainda mais com o condomínio. As pessoas que trabalham na associação respondem a eles e ameaçam os moradores. Se não pagarmos ou atrasarmos o pagamento de uma taxa de R$ 40 que eles cobram, dizem que vão levar o caso para os bandidos — afirma o vigia Josué*, de 45 anos, que não voltou ao conjunto depois de 25 de julho, quando, no trabalho, recebeu o telefonema de uma vizinha, informando que os traficantes haviam invadido o imóvel onde morava.
Segundo os relatos dos moradores, a associação tem até sede: um apartamento invadido após a expulsão de seu dono. No local, os traficantes guardam um acervo de cópias de identidades, CPFs e contratos de todos os que vivem no conjunto.

Moradora expulso de condomínio em Barros Filho
Moradora expulso de condomínio em Barros Filho Foto: Fábio Guimarães
— Duas mulheres que trabalham para os bandidos passaram em todos os apartamentos logo após a mudança, obrigando cada morador entregar os documentos. É assim que eles descobriram de onde nós viemos — conta Leila*, de 53 anos, que deixou o conjunto depois que três bandidos armados bateram em sua porta e disseram que “ninguém de área de milícia” podia ficar no local.
Um mês depois de ter deixado o condomínio com as duas filhas — a mais velha, epiléptica — e o neto de 4 anos, Leila mora de favor no chão do quarto da casa de sua irmã, na Zona Oeste. Como o apartamento é pequeno, a família teve que se dividir: cada filha foi morar na casa de um parente em bairros diferentes da cidade. Já o neto, que frequentava o Espaço de Desenvolvimento infantil (EDI) Professora Roseane Vasconcellos, que fica dentro do condomínio, parou de frequentar a creche. As prestações de R$ 25 reais continuam sendo pagas em dia.
— Antes, morava num barraco numa invasão. Mas minha vida era mais digna do que é hoje — desabafa.
Duas semanas depois da expulsão das famílias do Haroldo de Andrade, Celso Pinheiro Pimenta, o Playboy, ex-chefe do tráfico do Complexo da Pedreira, que ordenou a distribuição os apartamentos a aliados, foi morto. Na ocasião, agentes das polícias Civil e Federal invadiram a casa que o bandido usava como esconderijo. Carlos José da Silva Fernandes, o Arafat, sucessor de Playboy, que controla o tráfico no conjunto, está foragido.
Maria: fuga só com a roupa do corpo, com seus quatro filhos
Maria: fuga só com a roupa do corpo, com seus quatro filhos Foto: Fábio Guimarães / Extra / Extra - Cidade
‘Minha casa, minha sina’
Após três meses de apuração, o EXTRA constatou que todos os condomínios do “Minha casa, minha vida” destinados aos beneficiários mais pobres — a chamada faixa 1 de financiamento — no município do Rio são alvo da ação de grupos criminosos. Neles, moram 18.834 famílias submetidas a situações como expulsões, reuniões de condomínio feitas por bandidos, bocas de fumo em apartamentos, interferência do tráfico no sorteio dos novos moradores, espancamentos e homicídios.
Mais de 200 pessoas foram ouvidas, entre moradores, síndicos, policiais civis e militares, promotores, funcionários públicos e terceirizados, pesquisadores e autoridades. Além disso, foram analisados documentos da Polícia Civil, do Ministério Público, da Secretaria de Habitação, do Disque-Denúncia, da Caixa Econômica e do Ministério das Cidades, parte deles obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação. O material deu origem à série “Minha casa, minha sina”, que o EXTRA publicou em março.
* Os nomes usados nesta reportagem são fictícios

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