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Livro traz relato impressionante de uma das vítimas do médico estuprador Roger Abdelmassih e como ela montou uma rede para caçá-lo

Vana Lopes autografa o livro “Bem-vindo ao inferno”, numa livraria de Sáo Paulo, na última quinta-feira
Vana Lopes autografa o livro “Bem-vindo ao inferno”, numa livraria de Sáo Paulo, na última quinta-feira Foto: PAULO LOPES / Futura Press




Vestido branco e colar de pérolas. Cabelo escovado e maquiagem impecável. Foi assim que, na quinta-feira, a estilista Vana Lopes, de 54 anos, se arrumou para o seu “casamento com a justiça”, deixando para trás “o luto da vergonha”. Na “cerimônia”, o lançamento do livro “Bem-vindo ao inferno — A história de Vana Lopes, a vítima que caçou o médico estuprador Roger Abdelmassih”, numa livraria de São Paulo, um código secreto diferenciava convidadas especiais, aquelas que, a exemplo da empresária, haviam sido vítimas do ex-médico das estrelas, mas preferiam se manter no anonimato. Para se reconhecerem, elas retiravam uma pérola entre as que estavam dispostas na mesa de autógrafos.
— Foi emocionante. Muitas vítimas vieram de outros estados. Todas somos vítimas, cada uma com sua dor e sua forma de curá-la, até mesmo as que nunca denunciaram. Imagino a dor dessas mulheres, em seu silêncio para protegerem as famílias — disse Vana, que vem ao Rio para lançar o livro, nesta segunda-feira, às 19h, na Livraria da Travessa do Shopping Leblon.
Vana Lopes
Vana Lopes Foto: Divulgação
Vana e o marido já tinham uma filha adotiva quando procuraram o “doutor vida”, em 1993, para terem filhos biológicos. A empresária, então com 33 anos, pisou pela última vez na clínica de Abdelmassih, na capital paulista, em 15 de agosto daquele ano. Naquela tarde, desacompanhada, foi sedada para a terceira tentativa de inseminação. Receberia no útero quatro embriões fecundados — dez que ficaram na clínica, ela nunca mais recuperou. Daquela vez, o efeito da sedação acabou antes do previsto, e, lenta e confusa, Vana conta ter acordado com o ex-médico sobre ela.
“Na hora, tive ânsias ao ver Abdelmassih ejaculando em mim, gemendo, e eu não entendia por que não conseguia me debater. Parecia um pesadelo”, lembra Vana, no livro escrito pelos jornalistas Claudio Tognolli e Malu Magalhães.
Em decorrência do estupro, ela teve uma peritonite aguda, infecção generalizada no abdômen. A doença a fez perder as trompas e parte de um ovário. Numa transfusão de sangue, foi contaminada pelo vírus da hepatite C. Os embriões não vingaram. E, meses depois, quando teve coragem de contar a violência sofrida ao marido, o casamento de seis anos acabou.
A exemplo de algumas das 39 vítimas cujos casos chegaram à Justiça, Vana mergulhou numa profunda depressão. Engordou 50 quilos, desenvolveu diabetes e quase morreu, ao abusar de remédios para dormir, dois dias após o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes ter concedido habeas corpus a Abdelmassih, livrando-o da cadeia na véspera do Natal de 2009.
Para Vana, a notícia chegou como um segundo estupro, desta vez, moral. Aos poucos, reuniu forças e encontrou apoio na rede que montou pela internet, com o blog Vítimas Unidas. Começava ali a caçada pelo fim da impunidade do ‘‘médico das estrelas’’.
Roger Abdelmassih, ao ser preso em Assunção, no Paraguai
Roger Abdelmassih, ao ser preso em Assunção, no Paraguai Foto: AFP/19.08.2014
‘Justiça com o próprio mouse’
Com a fuga de Abdelmassih do país, em 2011 — ano em que o Conselho Regional de Medicina de São Paulo cassou seu registro ptofissional — Vana começou a montar uma rede de informantes, usando o Facebook. Criou a página Vítimas Roger Abdelmassih, que atraiu mulheres abusadas sexualmente pelo ex-médico. Foi por esse canal que Vana recebeu informações e documentos importantes para a localização do foragido.
No Facebook, ela também criou um perfil falso para seduzir uma funcionária da família de Roger e conseguir informações. Contando o seu drama e compartilhando a sua dor, ela convenceu uma familiar de Roger e outra da mulher dele a serem suas informantes. Tudo era repassado para autoridades policiais, incluindo celulares que foram grampeados e documentos de movimentações financeiras.
Vana Lopes, ao reencontrar Abdelmassih no aeroporto de Congonhas, quando ele chegou ao Brasil preso
Vana Lopes, ao reencontrar Abdelmassih no aeroporto de Congonhas, quando ele chegou ao Brasil preso Foto: Michel Filho/20.08.2014 / O Globo
Quando Roger foi preso no Paraguai, em 19 de agosto do ano passado, Vana e outras vítimas foram vê-lo chegar ao aeroporto de Congonhas. Diante dele, a estilista se encheu de coragem e disse:
— Bem-vindo ao inferno. Você está entrando preso e eu vou ficar livre.
Abdelmassih está detido no presídio de Tremembé, a 140km da capital paulista.
Agora, Vana dá início à ONG Vítimas Unidas, que dará apoio a mulheres que sofreram abusos sexuais por parte de criminosos não tão notórios quanto o ex-médico. Parte da renda do livro será destinada à ONG.

O médico das estrelas, que ficou quase quatro anos foragido

O médico das estrelas: Roberto Carlos durante uma festa na Clínica e Centro de Pesquisa em Reprodução Humana Roger Abdelmassih
O médico das estrelas: Roberto Carlos durante uma festa na Clínica e Centro de Pesquisa em Reprodução Humana Roger Abdelmassih Foto: 20.03.2006 / Divulgação

Roger Abdelmassih era um dos mais renomados especialistas em reprodução assistida no Brasil. Casais de todo o país e celebridades como Tom Cavalcanti, Pelé e Luiza Tomé procuravam a clínica do ex-médico, em São Paulo, para ter filhos. Após 60 mulheres o terem acusado de crimes sexuais, foi preso no dia 17 de agosto de 2009.
Em 23 de novembro de 2010, Roger foi condenado a 278 anos de prisão por 56 estupros. Não foi preso na época, em virtude de habeas corpus concedido pelo STF, em 2009.
Em fevereiro de 2011, o habeas corpus foi cassado pelo próprio STF. Abdelmassih fugiu do país, com a mulher, sua ex-paciente e ex-procuradora da República Larissa Sacco, de 38 anos, e os dois filhos gêmeos do casal.



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