Recifes de Abrolhos ameaçados pela lama
O
vilarejo de Regência, em Linhares (ES), jamais imaginou profecias tão
violentas para o encontro do Rio Doce com o mar. Com o rompimento de
barragens da Samarco em Mariana (MG), o temor de ambientalistas é que
rejeitos de minério, ao chegarem à região, arrasem um dos mais
importantes ecossistemas do Brasil: os recifes de corais de Abrolhos.
Acostumados com ações de proteção a golfinhos e tartarugas ameaçadas que
vivem e se reproduzem apenas ali, eles passaram a última semana numa
força-tarefa. O esforço é para reduzir possíveis impactos dos rejeitos
nas mais de 500 espécies na área, entrada para o banco de Abrolhos. Os
recifes de corais — considerados “amazônias oceânicas” — estão bem mais
próximos que o arquipélago, a 221 quilômetros do estuário. Não é
possível dizer a que distância os resíduos serão levados, o que
dependerá da posição de mar e vento. Segundo boletim do Serviço
Geológico do Brasil no sábado, a chegada da água turva à barra está
sendo reavaliada em razão de sua passagem por reservatórios de usinas
hidrelétricas.
— Não sabemos a magnitude do impacto, já
que não temos certeza sobre o que chegará. Se o padrão de impacto nas
cabeceiras se mantiver, será um arraso na fauna e na flora — prevê João
Carlos Thomé, coordenador nacional do Tamar/ICMBio. — Essa é uma das
regiões com maior biodiversidade marinha do Brasil. É o começo do banco
de Abrolhos, onde há ressurgências, com águas frias e ricas em
nutrientes, com taxas de produtividade altíssimas.
Próximo à foz,
convivem jubartes, dourados, meros, raias mantas. É ali o limite Norte
no Brasil das toninhas, golfinho mais ameaçado do país. A região —
considerada pelo governo federal área prioritária de conservação —
também é ponto estratégico para sobrevivência de botos-cinza. O local é
ainda o único ponto no Atlântico Sul ocidental com concentração de
desovas de tartaruga-de-couro, espécie mais ameaçada de extinção no
Brasil; e 2º maior ponto de concentração de desova de tartaruga
cabeçuda, assistidas por uma importante unidade do Tamar em Regência.
Os
répteis foram os primeiros alvos da força-tarefa de ambientalistas. No
fim da semana passada, duas dúzias de ninhos foram deslocados de lugar.
Na segunda, retroescavadeiras começaram a tentar reabrir a passagem do
rio para o mar, bloqueada por uma faixa de areia desde junho, quando o
Doce, devido à seca, não mais teve força para desaguar no mar. O temor é
que, com a passagem fechada, a lama fique retida no estuário, zona de
reprodução de espécies e cuja capacidade de absorção é muito menor que a
do oceano. Há técnicos mobilizados para, caso seja preciso, transferir
peixes do estuário para tanques em duas lagoas próximas.
— Nossa
preocupação é com a possível contaminação da foz com metais pesados e a
mortalidade de animais aquáticos por onde a lama passa. A quantidade de
partículas em suspensão está asfixiando os bichos — diz Antônio Serra de
Almeida, gestor da Reserva Biológica de Comboios, a apenas um
quilômetro da foz.
Monitoramento na água feito pela prefeitura de
Governador Valadares (MG) indicou turbidez 80 mil vezes acima do
tolerável na última terça. A quantidade de ferro encontrada em amostras
foi 13,6 mil vezes acima desse limite, e a de alumínio, 6.500 vezes. Há
previsões pessimistas também sobre a duração dos danos.
— Qualquer
coisa que sair dali (da foz) pode atingir os recifes de corais de
Abrolhos. Se a lama chegar a eles e impedi-los de respirar, serão
milhares de anos de recuperação — diz o professor da Universidade
Federal do Espírito Santo Agnaldo Martins.
Procurada, a Samarco —
multada em R$ 250 milhões pelo Ibama — diz que está executando sistema
emergencial de monitoramento ambiental e que contratou uma empresa para
diagnosticar a área atingida e elaborar um plano de recuperação.
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