Dependência de famílias do programa Bolsa Família cresce na crise
por Fernando Scheller | Estadão Conteúdo
Foto: Jefferson Rudy / Agência Senado
A previsão de um reajuste abaixo da inflação de 2015 para o programa
Bolsa Família neste ano deverá ter um impacto direto na renda das
residências mais pobres do Brasil. Considerado o gasto efetivo do ano
passado, de R$ 27,7 bilhões, e o orçamento para o programa deste ano, de
R$ 28,1 bilhões, o máximo reajuste possível para o benefício será de
1,4%. Sem especificar números, o Ministério do Desenvolvimento Social
(MDS) divulgou na semana passada que haverá R$ 1 bilhão a mais para o
programa em 2016, o que permitiria uma correção maior, de até 3,7%.
Ainda assim, o porcentual ficará bem abaixo do IPCA, índice de inflação
oficial do País, que ficou em 10,67% no ano passado, de acordo com o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Durante uma
década, o orçamento do Bolsa Família cresceu consistentemente acima da
inflação (ver quadro acima), mas a situação se inverteu desde o ano
passado, quando o total liberado para o programa subiu só 1,8% em
relação a 2014. "O Bolsa Família impacta bastante o consumo e a vida de
seus beneficiários, que possuem renda extremamente baixa. Entretanto, o
valor desembolsado tem baixa representatividade. Corresponde a
aproximadamente 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro", afirma
Renato Meirelles, diretor do Data Popular. Segundo o instituto, 50% dos
pagamentos são feitos na região Nordeste do País, que concentra 6,9
milhões do total de 13,9 milhões de beneficiários. Diante do perfil dos
beneficiários, a perda do poder de compra do Bolsa Família deverá
impactar justamente a camada mais carente da população. Em 2014, a
consultoria Plano CDE, especializada na base da pirâmide, realizou um
estudo que subdividiu beneficiários do programa em quatro categorias
sociais distintas. Segundo o sócio-diretor da Plano CDE, Maurício de
Almeida Prado, o Bolsa Família representava 23% do rendimento doméstico
total do mais pobre dos quatro grupos. "O Bolsa Família garante a
recorrência de renda para as famílias mais pobres. Nos meses em que o
trabalho é escasso, pois a informalidade é alta entre essa população, é o
benefício que coloca a comida na mesa", diz o especialista. Com a crise
econômica e o consequente aumento do desemprego, a tendência é que as
famílias fiquem mais dependentes do programa. Em Cajamar, uma das
cidades paulistas que mais dependem do programa em termos relativos (o
município recebe R$ 156 por habitante, contra a média estadual de R$ 56,
conforme dados oficiais de repasses do benefício e população), o Estado
encontrou duas famílias que hoje sobrevivem graças ao Bolsa
Família. Morador da comunidade Km 42, área de invasão que fica na beira
da estrada que dá acesso a Cajamar, o pedreiro Cosme Costa dos Santos,
25 anos, perdeu o emprego com carteira assinada em novembro, que lhe
pagava um salário líquido de R$ 1,3 mil. "Foi culpa da crise. A empresa
disse que não tem mais obra", explica Cosme. Na semana passada, ele deu
entrada na papelada do seguro-desemprego, que deve começar a ser pago em
fevereiro. Em janeiro, porém, a única renda constante da família foi o
Bolsa Família. A esposa de Cosme, Tatiana Aparecida Martins, 35 anos,
está grávida de sete meses. O pequeno Isaac é esperado para o fim de
março. Será o primeiro filho biológico dele e o quinto dela - viúva de
um primeiro casamento, Tatiana tem duas filhas adultas (de 20 e 18 anos)
e também um casal de gêmeos de 8 anos. Ela se cadastrou no programa há
seis anos e hoje recebe R$ 380 mensais. Como a renda da família caiu
muito desde que o marido perdeu o emprego, Tatiana decretou o fim de
todos os supérfluos. "Não estamos fazendo mais dívidas para comprar
eletrodomésticos", diz a dona de casa. "Com R$ 400, hoje você vai no
mercado e consegue carregar toda a compra para casa. As sacolas nem
ficam pesadas." Em outra região de Cajamar, no bairro Jordanésia, o
Bolsa Família também é a única renda da residência comandada por Dalva
Aparecida Ochini. O marido dela, que também é pedreiro, hoje depende de
bicos. Os R$ 300 do Bolsa Família precisam ser suficientes para o
sustento dos três filhos do segundo casamento de Dalva - DeJuan Carlos,
11 anos, é o mais jovem - e da irmã Creusa, que também vive na casa
herdada pelos pais de ambas. Um novo membro da família - um neto
recém-nascido - já foi incluído no programa pela avó. Mas o valor
recebido não sofreu reajuste, segundo a dona de casa. "Continuo
recebendo R$ 300, mas a minha filha tira os R$ 35 do bebê. E eu falo
para ela: com esse valor, você pode comprar um pacote de fraldas num mês
e uma lata de noite no outro." Sem perspectiva de aumento de renda,
Dalva diz que todos os projetos - incluindo uma pequena reforma na casa,
para o conserto de goteiras - foram abandonados. "Quando chove, tenho
de cobrir meus móveis", conta.
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