Lava-Jato: empresa ligada à Odebrecht comprou sede para Instituto Lula
SÃO PAULO — Em junho de 2010, a construtora Odebrecht adquiriu um
prédio de três andares na Vila Clementino, Zona Sul de São Paulo, e
planejava instalar ali a sede do futuro Instituto Lula, de acordo com a
força-tarefa da Operação Lava-Jato. A compra foi feita em nome da DAG
Construtora, de Salvador, que pertence a Demerval Gusmão, amigo e
parceiro de negócios de Marcelo Odebrecht, dono da empreiteira.
A
DAG é a mesma que, em 2013, a pedido da Odebrecht, pagou o jatinho que
levou o ex-presidente Lula a Cuba, República Dominicana e Estados
Unidos, como revelou O GLOBO.
Segundo as investigações, a família
Lula sabia dos planos de usar o prédio para o instituto: um projeto de
reforma do imóvel, que incluía auditório, sala para exposição e até
apartamento com cinco suítes na cobertura, foi localizado numa pasta cor
de rosa endereçada a dona Marisa Letícia e apreendida pela Polícia
Federal, no início deste ano, no sítio de Atibaia (SP) que era usado por
Lula e sua família.
Os documentos, apreendidos em março último,
na 24º fase da Lava-Jato, voltaram a ser analisados pela força-tarefa no
fim de junho, depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) devolveu a
Curitiba os inquéritos que investigam supostas vantagens indevidas dadas
ao ex-presidente. O conteúdo da pasta e as negociações para compra do
prédio são descritas num relatório de análise da PF, obtido pelo GLOBO.
PENDÊNCIAS JUDICIAIS
Embora
o prédio tenha sido efetivamente comprado pela DAG, o Instituto Lula
não ganhou a sede e acabou sendo instalado no prédio do antigo Instituto
Cidadania, no Ipiranga, onde permanece até hoje. Os responsáveis pela
compra teriam desistido do projeto original de uso depois de descobrir
que o imóvel estava envolvido em pendências judiciais dos antigos
proprietários.
Além da pasta com o projeto de reforma, a PF
apreendeu na residência de Lula, em São Bernardo do Campo, e-mails
impressos que indicam que a negociação do prédio, de 5.268 m² de área
construída, chegou a ser feita por Roberto Teixeira, amigo e advogado do
ex-presidente.
Teixeira, que costuma assessorar negócios
imobiliários, foi quem ajudou na aquisição do sítio de Atibaia por
Fernando Bittar e Jonas Suassuna. Os e-mails apreendidos contêm o preço
de venda do prédio (R$ 10 milhões) e as dívidas pendentes (de R$ 2,3
milhões).
Para os peritos, o projeto da pasta cor de rosa
“refere-se à reforma do imóvel da Rua Haberbeck Brandão, 178”, na Vila
Clementino, e o “terreno foi objeto de negociação para atender os
interesses do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva”.
Também
foi apreendido na residência da família Lula um contrato de opção de
compra, onde consta como vendedora a Asa Agência Sul Americana, então
proprietária, e como comprador José Carlos Bumlai, amigo do
ex-presidente. A data é anterior à venda para a Odebrecht, e quem assina
o contrato é Teixeira. Ouvido pela PF no fim de junho, o pecuarista
afirmou que não quis participar do negócio. Para os investigadores, sem
Bumlai, a compra acabou sendo feita pela DAG.
PLANILHA DA ODEBRECHT
Embora
a DAG tenha registrado em cartório a compra do prédio por R$ 6,8
milhões, a PF acredita que o valor real foi R$ 12,3 milhões, o mesmo
citado nos e-mails enviados a Teixeira. O valor é considerado compatível
com os R$ 12,4 milhões anotados ao lado da expressão “prédio (IL)”, na
planilha “Programa Especial Italiano”, apreendida no e-mail de Fernando
Migliaccio, um dos executivos do departamento de propinas da Odebrecht.
O
relatório da PF menciona ainda um outro documento, apreendido na sala
de Marcelo Odebrecht e de sua secretária, Darci Luz, que aponta a compra
de um terreno da ASA para construção do “prédio do Instituto” e diz que
o preço foi abaixo do escriturado. Há ainda menção a eventuais riscos a
que a DAG ficaria exposta devido às dívidas relacionadas ao imóvel.
Num
e-mail de setembro de 2010, apreendido nas investigações e divulgado em
maio deste ano pelo jornal “Valor”, Marcelo Odebrecht afirma: “Preciso
mandar uma atualização sobre o novo prédio para o Chefe amanhã. Qual a
melhor maneira?”. O destinatário é Branislav Kontic, braço-direito do
ex-ministro Antonio Palocci.
Em 2012, a DAG passou oficialmente o
imóvel para a Odebrecht Realizações SP 37 Empreendimentos Imobiliários.
Em 2013, o prédio foi vendido novamente, desta vez à MIX
Empreendimentos, que realiza no local um novo projeto.
Procurada,
a Odebrecht não quis se manifestar. Em nota, a DAG disse que a
aquisição se deu “em razão de investimento imobiliário”. A empresa não
quis informar se comprou o imóvel a pedido da Odebrecht. Em nota, o
Instituto Lula informou que funciona em sobrado adquirido em 1991 pelo
antigo Instituto Cidadania e que só considerou construir um prédio
quando apresentou a proposta de Memorial da Democracia, em 2012.
Em nota, Roberto Teixeira afirmou ter assessorado “um cliente, que não é
o Instituto Lula, na aquisição de um imóvel na Vila Clementino” e,
depois, na revenda para a DAG. Segundo ele, o prédio chegou a ser
oferecido ao Instituto Cidadania, mas “não houve interesse” na compra.
“Nada
como juntar partes de episódios reais com invencionices para tentar
criar relações inexistentes”, criticou Teixeira, em nota.
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